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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

SOLILÓQUIO DO REDENTOR

Daqui te vejo, bela cidade, e não te posso abraçar, pois fizeram-me assim, braços longos e fortes – sem movimentos, porém. Há mais de meio século vejo teus nascentes de ouro, e (estou certo) jamais verei teu poente. É meu ofício aparente contemplar o espelho terno das lagunas e ouvir o ciciar carinhoso das folhagens que me cercam.
Ouço, entretanto, brados e lamentos. Percebo que oram, pedindo milagres, certos de que teus ornamentos saíram de minhas rígidas mãos por vias misteriosas de trindades unitárias. Pois bem, linda cidade, direi que és cândida e simplória. Neste alto me puseram tal testemunha de pedra – julgando que só então ganharias minha visita. Engana-te, doçura tropical. Aqui e em todos os teus lugares, sempre me tiveste atento, pelos olhos de meu Pai. Em vão, me aprisionaram imóvel neste corpo de concreto (ainda que prazeroso, ao apreciar tuas loucuras), velando vales e pântanos. E te garanto, querida, desde as mais remotas conseqüências cósmicas foste suave, doce e curvilínea. Embora ao meu olhar apenas emprestassem a mirada estreita dos edis, sei que és maior do que a tela, e ao romper a moldura pressinto, fervilhante, no quadrante esquerdo, ou palpitando no ocidente, a vida acelerada, onde até dramas mais pobres usam cenários de encanto.
Não suponhas que os cristais do mar e as douradas praias, tão encantadores, me obriguem a desconhecer o que se passa aquém. Não te esqueças que as florestas envolventes, descem às minhas costas, elevam-se adiante e, mesmo em combate obscuro, ainda alimentam nascentes, orlam as encostas e dão colorido aos vales. Pena que não te possa abraçar, toda, das lodosas águas do Caju às penhas do Grumari; da distante Sepetiba aos encantos de Paquetá. Cingir nos concretos braços Leblon, Tijuca e Bangu.
Mas não te preocupes: imóvel que sou, vaga em vigília meu grande espírito, ladeado por atentos centuriões, teus padrinhos seculares: o luso Estácio de Sá e o bravo Sebastião. Junto a eles e aos curumins sacrificados, formarei a coorte de espíritos que pelas ruas olvidadas, nas praças aviltadas, soprará o hálito esquecido da urbanidade.
Daqui te vejo, bela cidade e não te posso abraçar. Se assim me fizeram, braços longos e fortes – sem movimentos, porém – deram a mim coração que a ti aprendeu amar.
Helio Brasil.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Embalagens e maciez

Há algo no jeito com que aquele motociclista sai da fila do engarrafamento e retorna. Semelhante à maneira com a qual aquela mocinha entra agora na reunião com seu diretor e pede demissão. Existe uma verdade estonteante que paira sobre aquela mulher que sobe na boleia daquele caminhão e vai embora para nunca mais. Do quilate da expressão que assoma ao rosto daquela senhora que segura no ar o impropério que seu filho já ia lhe dizer. Há rito na ruptura, existe tradição na mudança. Permanece um credo novo a cada busca do próximo ato, a cada reviravolta em nosso enredo.

Há também o amor pela rotina, o apreço pelo cômodo, o afeto ao que está macio de uso. As dobras confortáveis do brim que cedeu. Há o itinerário cômodo da intimidade. Os corpos que, pelo hábito, suprimem quinas. Uma frase completando a outra como reza decorada, mesmo que seja inventada naquele átimo. Porque existe a afinidade do tempo com a história, da história com os pequenos fatos enfileirados, dos fatos com as falas, os gestos, os carinhos pequenos no jeito de fazer o café, de respeitar os erros do outro, de amas as arestas, de aparar as franjas das horas.

Há em buscar o novo e em permanecer na intimidade a mesma espera de renúncia e coragem.

Mara Coradelo
Não deixem de visitar http://www.livrodeanotar.wordpress.com/

Olho por olho e a humanidade ficará cega

O mundo está louco. Ou melhor, o ser humano está demente. Todos os dias e cada vez mais nos deparamos com noticias de pais que matam os próprios filhos, de filhos que matam os pais, de vizinhos que se matam por um jogo de futebol, de pessoas que matam por "amor", de pessoas que matam por raiva e desespero. Até parece que é fácil tirar a vida a um semelhante. Não precisa de haver um motivo sólido e concreto. Apenas a vontade de matar, por esta ou aquela razão. Parece que o pensamento não consegue alcançar a razão ou até mesmo o acto de tirar a vida ao outro. As pessoas agem cada vez mais sem pensar e quando pensam, fazem-no fixados numa obsessão que apenas parece ter solução com o desaparecimento físico do outro.Tal como disse Ghandi, "Olho por olho e a humanidade ficará cega". As consequências, essas não vêm ao caso. Em Portugal, não serão assim tão graves como isso, ficando muito àquem do sofrimento das vitimas e familiares. Apesar de fecharmos os olhos e pensarmos que só acontece aos outros, isto não é verdade. Ninguém está livre de atravessar o caminho de uma pessoa destabilizada emocionalmente e de passar por uma situação idêntica. Continuo a pensar que para combater este problema, temos que começar de raiz. Temos de começar pelos mais novos. Temos, como pais, professores, e todos os envolvidos a deixar de virar as costas ao problema e de tentar criar adultos fortes e de mente sã. Claro que isto é quase um otupia nos dias que correm. Eu por exemplo conheço uma pessoa que atravessou uma fase de divórcio e começou a ter problemas com a educação do filho. O miúdo revoltou-se com a situação, começou a tirar más notas, a arranjar brigas com os colegas e por fim a maltratar verbalmente a professora. Preocupada a minha amiga foi falar com a psicóloga da escola, a fim de receber ajuda para lidar com a situação. Esteve com ela mais de duas horas a contar a vida toda do rapaz. A psicóloga disse que iria falar com o miúdo e que depois entrava em contacto. Já passou um ano, o ano lectivo está quase a começar de novo e nada de noticias. A não ser a de que a psicóloga entrou de baixa de parto e não foi substituída. Claro que o ideal seria a minha amiga pagar um psicólogo do bolso dela, mas como não é possível, lá vai fazendo o que pode, entre horários de trabalho sobrecarregados e sem fins de semana livres para passar algum tempo de qualidade com o filho, na tentativa de "não lhe faltar nada". Um psicólogo não faz milagres, mas em muitos casos, poderia ser uma grande ajuda na prevenção de casos que muitas vezes acabam mal. As crianças são cada vez mais deixadas à sua sorte. E como se não bastasse, temos a eterna contradição: dizemos-lhes para se defenderem, mas não os ensinamos a protegerem-se. Queremos que cresçam confiantes e destemidos, mas dizemos-lhes (no intuito de os proteger) que existem pessoas muito más que raptam os meninos e lhes fazem mal. Lembro-me que quando se deu o tão falado caso da Maddie Macken, o meu filho, na altura com 6 anos, me ter perguntado se eu era capaz de o matar. Fiquei escandalizada com a pergunta, mas por aqui se pode ver até onde vai a mente de uma criança, que por uma simples noticia na televisão, vê o seu mundo ameaçado pela pessoa que lhe deu a vida. O futuro está nas crianças, mas somos nós os responsáveis pelo futuro que iremos ter.

Sónia Marques

Não deixem de vistar http://sitiodehistorias.blogspot.com/
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